O Monumento a Campos Salles e a espera pela Revolução de 1932
O Monumento a Campos Salles inaugurado no Largo do Rosário.

Genaro Campoy Scriptore
O Passado não reconhece o seu lugar:
está sempre presente.
Mário Quintana
Logo depois da morte do ilustre doutor Manuel Ferraz de Campos Salles, no seio da cidade de Campinas nasce um movimento liderado por políticos, pelos seguidores das idéias republicanas e amigos de Campos Salles, com o propósito de marcar a cidade com uma homenagem ao campineiro e segundo Presidente civil deste país.
Na gestão do Prefeito, intendente nomeado, Orosimbo Maia, e por iniciativa de projeto da Câmara Municipal de Campinas era publicado na imprensa edital para a construção do monumento a Campos Salles. O edital, datado de 22 de fevereiro de 1930, vinha assinado pelo secretário da Prefeitura, Amilar Alves.
Não podemos deixar de ressaltar a figura do secretário da Prefeitura, Amilar Alves, homem do cinema, da cultura e que tão bem soube representar o Centro de Ciências, Letras e Artes nas funções que ali exerceu.
Depois de vários adendos e modificações deste edital, se estabelece que os escultores concorrentes deveriam adotar um pseudônimo para sua maquete e enviar a documentação e suas propostas até às 14:00 horas do dia 20 de junho de 1930.
O julgamento para a escolha do escultor vencedor, que iria realizar a construção deste monumento, aconteceu no dia 10 de julho de 1930, conduzido por uma comissão composta dos vereadores Doutor Ernesto Kulmmann e Benedicto Cunha Campos e mais Perseu Leite de Barros, engenheiro civil que ingressara neste mesmo ano no serviço público como chefe de obras e viação. Completavam a comissão o arquiteto Alexandre de Albuquerque e os escultores Amadeu Zani e Marcelino Velez. A comissão reunida no “Salão do Fascio Italiano”, localizado na Rua Barreto Leme, escolheu como vencedora a maquete “Ephiteto”, do escultor Yolando Mallozi, obtendo assim o primeiro lugar; e como segundo lugar a maquete “Semper Ut Quondam”, do escultor Hugo Bertazzan, do Rio de Janeiro, que recebeu o prêmio de 4.000$000 réis. As maquetes ficaram em exposição no “Salão do Fascio Italiano” para que todos pudessem apreciar a decisão apoiada e concorde do prefeito Orosimbo Maia, da comissão e todos os técnicos envolvidos no processo.
Três meses depois deste concurso para a escolha do escultor do monumento acontece a revolução de 1930, no dia 24 de outubro, que impõe a queda do governo de Washington Luís, exatamente vinte e um dias antes do término do período presidencial.
Júlio Prestes de Albuquerque, paulista de Itapetininga, vencera as eleições de março de 1930 e aguardava para ser empossado, mas a deposição de Washington Luís e a instauração da junta governativa, presidida pelo General Tasso Fragoso, provocou uma espera na normalização do ambiente político.
A junta governativa exerceu a presidência até o dia 4 de novembro de 1930, data em que transferiu o governo para Getúlio Vargas, líder da revolução e do golpe. Júlio Prestes de Albuquerque foi impedido pelo governo de Getúlio Vargas de assumir a presidência, passando assim para a história como o único presidente eleito pelo voto popular que não foi empossado. Apresentavam-se mais uma vez, as ideias de Campos Salles, vivas pela luta democrática e de libertação, na qual o povo exerce o papel de senhor de todas as vontades, mas, de forma geral, acaba derrotado pelo despótico poder das armas e dos poderosos. O monumento esperava a homenagem do povo de Campinas.
Entre 1931 e 1932 os paulistas e, principalmente, os campineiros, esperavam de Getúlio Vargas a normalização do ambiente político, a convocação de uma Assembleia Constituinte e a data para a eleição presidencial.
No dia 23 de maio de 1932, em São Paulo, um ato cívico levou milhares de paulistas à Praça do Patriarca, Rua Líbero Badaró, Praça da República, Ladeira de São João, Rua São Bento, Praça da Sé, Viaduto do Chá e rua Conselheiro Crispiniano para seguir em direção ao palácio do governo, onde se encontrava o novo interventor do governo paulista, o senhor Pedro Manuel de Toledo.
O ato cívico reivindicava as eleições presidenciais e notícias da Constituinte. Na praça da República, esquina com Barão de Itapetininga, estabelece-se um conflito entre o povo, a polícia e os membros da Legião Revolucionária. Neste conflito é metralhado o estudante Mario Martins de Almeida, de 31 anos, Euclydes de Miragaia, de 21 anos, com um tiro no peito, Antonio Camargo Andrade por tiros disparados por populares e Dráuzio Marcondes de Sousa, de 14 anos, ferido por um tiro de Legionários. Os restos mortais destes mártires estão hoje sepultados no mausoléu do Obelisco do Ibirapuera.
Para quem passa nas imediações da Rua Guilherme de Almeida, no Cambuí, Campinas, pode notar uma rua curta, de uma quadra, denominada Rua MMDC. Este acrônimo construído pelas letras M de Mario, M de Miragaia, D de Drauzio e C de Camargo se tornou sigla para a organização clandestina que iria conspirar e organizar a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932. Depois do conflito tornou-se uma sociedade sem fins lucrativos denominada “Sociedade Veteranos de 1932–MMDC”, hoje com sede no Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 32, conhecido como Obelisco do Ibirapuera, desde 9 de dezembro de 2014. O núcleo de Campinas funciona e atende na Rua General Osório, 490, nas antigas instalações dos escritórios da Mogiana.
Campinas se posicionou. Daqui saíram soldados para combater tropas “getulistas” infiltradas e estacionadas nas cidades das linhas da Mogiana, da Paulista e no interior do estado de São Paulo. Eram desiguais as forças do governo de Getúlio e as tropas dos Paulistas, dadas as desproporções do material bélico.
Campinas foi bombardeada pelos aviões vermelhos do governo nos dias 18 de setembro e 24 de setembro de 1932.
O jornal o Estado de São Paulo, que apoiava os soldados constitucionalistas, noticia o bombardeio do domingo, dia 18 de setembro:
“Prossegue com intensidade a luta no sector do Amparo. A situação das tropas constitucionalistas continua a ser, naquele sector, muito boa. Um avião de ditadura voou hoje sobre a cidade de Campinas, jogando uma bomba, no pátio fronteiro à estação da Paulista, matando o menor Aldo Chiorato, de 9 anos de idade, filho de João Chiorato e ferindo gravemente o velho operário italiano Vicente Nome, cujo estado inspira cuidados, e um velho sírio. Também foi ferido, mas sem gravidade o funcionário da Mogiana, Isolino Monteiro. Passageiros de um bonde que na hora trafegava pelo local receberam também alguns ferimentos. Outra bomba foi lançada sobre a estação da Mogiana, sem causar danos e uma terceira caiu sobre uma residência particular da rua Campos Salles, destruindo parte do edifício. Os moradores estavam ausentes, as bombas eram grandes, de peso aproximado de 45 quilos.
À tarde, a aviação da ditadura voltou a bombardear Campinas, lançando contra aquela cidade cinco bombas. Duas caíram na Cadeia, ferindo vários presos, duas alcançaram o pátio da estação da Paulista, sem causar vítimas e a última estourou na Vila Industrial, que é habitada por operários, ferindo vários deles. Esse bombardeio desumano e sem nenhum objetivo militar, pois não visou lugares onde houvesse concentração de tropas ou fortificações, causou profunda indignação no povo campineiro.”[1]
A repercussão da morte de Aldo Chioratto começou no dia 24 de setembro de 1930, quando Raul Laranjeira, exímio violinista, premiado na Europa e que havia se incorporado ao “Batalhão Diocesano”, sediado no Interior do Estado, se propõe a fazer assim que possível um concerto e reverter a renda para a família da criança de 9 anos.[2]
Nas comemorações de 23 de maio de 1966, Dia da Juventude Constitucionalista” e quando das solenidades de transferência dos restos mortais de Aldo para o Obelisco do Ibirapuera, Guilherme de Almeida, de forma emocionada escreveu lindos versos no jornal Estado de São Paulo:
Vem de Campinas — a minha Campinas dos jequitibás — o herói criança – Aldo Chioratto –verde vergôntea da árvore velha que vergastada por vendaval manda a mensagem que eu adivinho e que em alguém por mim somente em épica língua é capaz de exprimir, o exprime assim:
Tu. infante imolado, tenro caule,
de raríssima arvore cortado,
Muda plantada que ora aqui floresce.
Deixando lá, na cicatriz do cerne,
Promessa de altas florações futuras!”[3]
No dia 24 de setembro, o correspondente do Diário Nacional narra desta maneira o bombardeio em Campinas:
“Hoje, precisamente às 12:25 horas, dois aviões da ditadura, voando por sobre Campinas, não demoraram a dar sinais de que, em cumprimento dos seus monstruosos propósitos, vinham para hostilizar a cidade.
Para logo, entretanto, sumir das vistas do povo ansioso um dos sinistros mensageiros alados do crime e da irresponsabilidade, atocaiado como feras, numa das mais belas capitais do mundo…
Outro, porém, librando-se a uma altura, calculada, de 2.000 metros, aqui ficava a corvejar, ameaçadoramente.
Tivemos ocasião de observar, aos primeiros bufos dos aeroplanos, as precauções que à população toma a fim de se preservar, o mais possível, aos efeitos do bombardeio aéreo. Estamos na praça Bento Quirino. Ali está a estátua do Carlos Gomes, o gênio da harmonia brasileira, a afrontar impassível, simbólico, a fúria assassinados “azes” ditatoriais. Mas, os transeuntes se recolhem à primeira porta que ainda encontram aberta. Todas as casas com as suas portas e janelas cerradas. Tudo, porém, sem correria, nem gritos, nem inúteis gestos desordenados. Opressos e indignados, os campineiros esperam estoicamente a vil agressão dos ícaros infernais.
Os céus, pejados de nuvens escuras, como que envolvem numa proteção tenebrosa a ronda dos malditos bombardeadores de mulheres, velhos, crianças e enfermos.
De repente, o primeiro assovio e o primeiro estrondo: é o traiçoeiro delírio de matar, de destruir, de arrasar! Ao emergir do bojo negro de uma nuvem, lá despejara o aviador inimigo o seu cartão de visita, certamente decorado com os brasões do “Clube 3 de Outubro”…
E, as negaças! E as evoluções! E o ir e vir desse pássaro da morte, e seus arrabaldes: cinco dos quais em pleno perímetro urbano, em um raio de 500 metros, pouco mais ou menos, no derredor da estação da Paulista.
Os petardos atirados fora do perímetro urbano não causaram estragos nenhum. Dos que atingiram as imediações da gare ferroviária, três vieram explodir à travessa Monte-Mór, na Villa Industrial, duas das quais em meio da rua, razão pela qual não provocaram estragos nem vítimas. A terceira, porém, veio rebentar em cheio no prédio número 74 daquela travessa, aluindo-o quase totalmente.
Não fora a precaução de seus moradores, que são o senhor Antolin Fernandez, maquinista da Mogiana, e sua mulher, e teríamos a lamentar, sem dúvida, vítimas pessoais. Apesar de encontrar-se no próprio domicílio, o senhor Antolin escapou aos terríveis efeitos da bomba de modo verdadeiramente providencial: metera-se por debaixo de uma mesa, que resistiu à compressão do telhado e paredes desmoronados. Quanto à esposa do maquinista, esta se havia retirado para casa de uma família vizinha à aproximação dos aviões inimigos…
Duas outras bombas, explodindo em meio da rua 24 de Maio, também na Vila Industrial, não fizeram vítimas pessoais nem estragos materiais de monta. Eis a obra dos outubristas, a quem o demônio emprestou suas asas!
Não deixemos de assinalar, ainda, o alcance de mais este fato, determinado pelo desumano bombardeio de Campinas: à hora em que ele se verificou, hoje, a estação da Paulista se achava repleta de famílias inteiras e civis de todas as qualificações sociais, à espera do trem que os conduziria para São Paulo.[4]
Oito dias depois deste evento em uma negociação na cidade de Cruzeiro, em 2 de outubro de 1932, aconteceu o final do conflito com o armistício assinado pelo General Pedro de Aurélio Góis Monteiro.
Foi então, designando um interventor para o estado de São Paulo, o general Valdomiro Castilho de Lima.
Em Campinas, no sábado, dia 18 de agosto de 1934, o prefeito nomeado Perseu Leite de Barros, se prepara para a grande inauguração do monumento a Campos Salles e o interventor nomeado por Getúlio Vargas, o engenheiro Armando de Sales Oliveira, resolve aproveitar-se deste evento para reconciliar mais uma vez a alma campineira e paulista com o governo central do Brasil.
Os jornais anunciaram com bastante antecedência a programação da vinda do interventor para Campinas. Mas o fato é que Campos Salles foi esquecido nesta inauguração, que teve diversos outros campineiros enaltecidos como Fernão Salles, Joaquim Bonifácio do Amaral, além de politicamente o interventor utilizar a inauguração para prestar contas de um ano do seu governo no Estado de São Paulo.
O Interventor Armando de Sales Oliveira anuncia previamente pelos jornais a sua agenda em Campinas:
- Partida pela manhã da estação da Luz em trem especial.
- Chegada a Jundiaí com salva de 21 tiros de morteiro e partida anunciada para Campinas com 1 tiro de morteiro.
- Em Jundiaí esperarão o Interventor os senhores, Doutor Horácio Antonio da Costa, Doutor Theodureto de Camargo, Doutor Sylvino de Godoy, Claudio Celestino Soares, Aníbal de Freitas, professor José Villagelin Netto, membros do diretório local do Partido Constitucionalista.
- O tenente coronel Tenório de Brito, comandante do 8° Batalhão de Polícia de Campinas, prestará ao Interventor as continências de estilo acompanhado do corpo discente das escolas, casas de ensino e associações.
- Às 13:00 horas após a chegada, o Interventor e sua comitiva caminharão até o Largo do Rosário – Praça Visconde de Indaiatuba, passando pelas ruas 13 de maio, Francisco Glicério, Conceição e Barão de Jaguara.
- No largo do Rosário, Armando de Salles Oliveira fará a entrega do monumento a Campos Salles, ocasião em que discursarão Carlos Francisco de Paula pela municipalidade, doutor José Pereira da Cunha pelo Centro de Ciências Letras e Artes e, em nome da família de Campos Salles, o doutor Luiz Pizza Sobrinho.
- Três aviões “Corsário” do exército, um de passageiros da Vasp e um planador do Aeroclube de São Paulo voarão sobre a praça atirando flores.
- No Centro de Ciências, Letras e Artes estarão expostas as relíquias de Campos Salles pertencentes ao Museu daquela agremiação.
- Das 14:40 às 15:40 recepção na Prefeitura Municipal, onde o Interventor será homenageado pelo Presidente do Conselho Municipal, doutor Carlos Stevenson.
- Visita à Escola Normal e Escola Profissionalizante Bento Quirino onde farão uso das palavras os professores José Villagelin Netto e José Minervino. Na Escola Profissionalizante Bento Quirino serão inauguradas as oficinas de fundição.
- Visita ao Centro de Ciências Letras e Artes onde discursará o professor Nelson Omegna.
- Às 20:30 no Teatro Municipal acontecerá um banquete para 500 talheres oferecido pelo Partido Constitucionalista, que reservará ao Doutor Paulo de Castro Pupo Nogueira o discurso de saudação ao Interventor e sua comitiva, assim como será reservado tempo para o discurso do representante do 6º Distrito Eleitoral, Doutor Antenor Candra.
- Após o banquete, um grandioso baile será oferecido pela Sociedade Campineira ao Interventor e sua comitiva.[5]
O monumento a Campos Salles não ficaria no largo do Rosário, compartilhando a praça Visconde de Indaiatuba com o povo de Campinas, por muito tempo. Com a publicação da Lei 1457, de abril de 1956, inicia-se o alargamento da Francisco Glicério, a demolição da Igreja do Rosário e sua reconstrução no bairro do Castelo e um concurso para fazer da praça Visconde de Indaiatuba um centro Cívico, um local oficial para manifestações de civismo aberto à comunidade campineira. Foi eleito o projeto do arquiteto campineiro Renato Righetto, que trazia uma nova e moderna concepção, onde não haveria espaço para o monumento.
O Monumento foi retirado da praça, mutilado, pois perdeu sua base de granito, o que valeu um rebaixo de mais de um metro de altura e acabou sendo transferido para um espaço menor do que o local onde estava assentado. Uma rotatória nas confluências da Rua Onze de Agosto, Avenida dos Expedicionários e Avenida Campos Salles.
A transferência gerou discussão na imprensa e na sociedade campineira e ocasionou até ação judicial em fevereiro de 1960 por parte do escultor Yolando Mallozi, que pediu reparação pela retirada da base do monumento. Processo em que o escultor do monumento teve ganho de causa e mesmo assim o monumento permaneceu no mesmo lugar, contrariando a decisão judicial.[6]
A revolução de 1932 terminou, Campinas teve o seu monumento, se aliou ao progresso desmedido das grandes metrópoles e a escultura do personagem Manuel Ferraz de Campos Salles, sentado ao pé da estação, vai dia a dia sendo esquecida e o seu nome desconhecido em sua própria terra.
[1]Jornal O Estado de São Paulo Edição 19287 de 19 de setembro de 1932página 1
[2] Jornal O Estado de São Paulo Edição 19292 de 24 de setembro de 1932 página 2
[3] Jornal o Estado de São Paulo Edição 27943 de 24 de maio de 1966 página 2
[4] Jornal Diário Nacional Edição 01579 de 25 de setembro de 1932 páginas1 e 3
[5] Jornal Correio de São Paulo Edição 00676 de 17 de Agosto de 1934 página 2
[6] De Casaca ao Pé da Estação – História do Monumento a Campos Salles – Dissertação de Mestrado de apresentada por Ana Rita Uhle no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
Genaro Campoy Scriptore é Administrador de Empresas e membro do Conselho Fiscal do CCLA