A coleção de fotografias do Museu Carlos Gomes

Corpo de Carlos Gomes chega a Campinas em 1896

A coleção de fotografias do Museu Carlos Gomes configura o interesse da sociedade campineira na preservação e disseminação da memória do ilustre compositor. Sua maior relevância é trazer elementos que apontam para a importância do papel de Carlos Gomes no contexto sócio-político-cultural da cidade de Campinas, bem como, do Estado de São Paulo e do país, entre as primeiras décadas da Primeira República e o início do Estado Novo. (Cassia Denise Gonçalves)

Cássia Denise Gonçalves

Historiadora e arquivista voluntária do Museu Carlos Gomes

A criação de um museu dedicado a Carlos Gomes (1836-1896),em 1954, estabeleceu definitivamente um lugar de memória do compositor na cidade de Campinas. É sabido que a iniciativa de reunir e salvaguardar documentos produzidos pelo músico, ou a ele relacionados, remonta aos primórdios do CCLA, quando Cesar Bierrenbach (1872-1907), um de seus fundadores, propõe, em 1904, a formação do Archivo Carlos Gomes. A tipologia dos documentos que compõe o seu acervo é variada. Há peças musicais manuscritas e impressas, instrumentos musicais, artefatos, indumentária, correspondência, fotografias, cartões postais etc.  Com relação à coleção de fotografias, esta foi reunida por meio das doações de familiares, historiadores, bibliófilos, musicólogos, musicistas e admiradores do artista. A Revista número oito do CCLA, de 1905, ao relacionar os documentos já existentes para compor a memorabilia de Carlos Gomes, menciona um retrato do músico de 1870, o qual foi oferecido ao Archivo em 1904, pelo então Consul do Brasil na Itália, Lessa Paranhos. Esta é a fotografia mais antiga do conjunto.

[Carlos Gomes], Milão, 1870, Giuseppe Puppo. Dedicatória: “Feito em Milão em 1870 – nº 1. Para o Archivo de Carlos Gomes oferece o infrascripto Consul do Brasil em Milão 2 de Maio de 1904 Lessa Paranhos”.

Há também documentos produzidos por iniciativa do Centro de Ciências, como o registro das comemorações do centenário de nascimento do compositor, as quais mobilizaram Campinas de modo extraordinário, em 1936. Ao buscar a representatividade de Carlos Gomes, foram conferidas características específicas à coleção. Pelo fato de não haver fotografias originais de seus parentes mais próximos, os retratos existentes do pai, Manuel José Gomes, do irmão, José Pedro de Sant’Anna Gomes, da esposa, Adelina Peri, do filho, Carlos André, e alguns do próprio músico, ou são reproduções de originais fotográficos de terceiros; ou reproduções de retratos publicados em livros e revistas, ou, ainda, impressos. Não há fotografias dos amigos mais íntimos.

As lacunas existentes na coleção podem ser compreendidas, em parte, por não se tratar do arquivo pessoal do compositor – este foi desmembrado devido ao tumultuado e trágico final de vida do artista, mas, sim, de um conjunto fragmentário, que carrega uma história contada por diversos atores, a qual, por sua vez, reflete a história do lugar que a forjou.

A coleção de Fotografias do Museu Carlos Gomes: o homem – a obra – o personagem

A coleção de fotografias do Museu Carlos Gomes possui 517 imagens, entre 1870 e 1994. Considerando a composição do conjunto, Carlos Gomes encontra-se nela representado em três dimensões: o homem, a obra e o personagem. O homem, por meio dos retratos do compositor e de seus familiares; a obra, pelo registro das representações de suas obras e, o personagem, por intermédio da documentação fotográfica gerada em decorrência da sua morte e o uso posterior da sua imagem.

O homem

                Os retratos de Carlos Gomes presentes na coleção caracterizam o artista em distintos momentos da sua vida, sendo que alguns desses, mais que outros, foram publicados em livros, jornais, revistas e cartões postais.    Dentre os retratos de familiares encontram-se os de Ítala Gomes, filha do artista; do pai, Maneco Músico, como era conhecido, e dos irmãos, Sant’Anna, Joaquina e Anna Gomes. Classificados juntamente com os da família Gomes estão os retratos de Maria, Eliza, Didier e Mario Monteiro.

Carlos Gomes, s.l., [entre 1886 e 1891].

Maria Monteiro. Milão, [entre 1887 e 1997], Fotog. Commercio E. Abeni.

A obra

                O conjunto traz o registro de representações de obras do maestro em Campinas e também no exterior. Há fotografias da ópera O Guarani no Teatro Municipal Carlos Gomes, em 1958; no Teatro Municipal José de Castro Mendes, em 1970, por ocasião da sua inauguração e do centenário de estreia da ópera no Teatro alla Scala, em Milão, e, ainda, no Teatro Dramático Real de Estocolmo, na década de 1930. Além desses, há o registro do poema vocal-sinfônico Colombo, apresentado no Castro Mendes, em 1974, e da ópera A noite do castelo, encenada no Teatro do Centro de Convivência Cultural de Campinas Carlos Gomes, em 1977.

Apesar do número reduzido, acham-se também fotografias de cenários, figurinos e retratos de intérpretes da obra do músico, como Guiomar Novaes, Estelinha Epstein, Yara Bernette e Rudolf Firkušný.

O Guarani do Centenário, Campinas, 1970, Henrique de Oliveira Jr.
Primeiro ato de O Guarani no Teatro Dramático Real, Estocolmo, [193_], Studio Järläs.

O personagem

                A morte do compositor e os acontecimentos subsequentes originou uma documentação da qual a coleção possui alguns raros exemplares. A começar pelo álbum Exéquias de Carlos Gomes, oferecido ao Centro de Ciências por Augusto Gomes Pinto, em 1912. O álbum é composto por fotografias do cortejo fúnebre; do esquife na então Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição e na capela da Família Ferreira Penteado, onde foi depositado provisoriamente, no Cemitério da Saudade. Destacam-se na documentação os cartões postais das celebrações ocorridas quando da chegada do corpo de Belém do Pará a Campinas, com imagens das corporações musicais, irmandades e associações no cortejo na Rua Barão de Jaguara.

Relacionado ao assunto, figuram ainda as fotografias do compositor no leito de morte e do altar da Igreja Matriz, com o catafalco ornamentado para a Missa de sétimo dia com o retrato do compositor ao centro, esta última oferecida por Cesar Bierrenbach ao Archivo, em 1904.

Cortejo fúnebre, Campinas, [24 out. 1896]. Em: Álbum Exéquias de Carlos Gomes.
[Trasladação do corpo de Carlos Gomes, Campinas, 24 out. 1896]. Em primeiro plano a banda da escola do Circolo Italiani Uniti

O Monumento-túmulo a Carlos Gomes enquanto memória eternizada em pedra e bronze também foi motivo de documentação, na qual se encontram raridades, como as fotografias de projetos para a sua construção. O lançamento da pedra fundamental com a presença de Santos Dumont, em 18 de setembro de 1903, bem como a sua inauguração, em 2 de julho de 1905, foram eventos de grande repercussão na cidade, com a participação do povo nas ruas e a presença de autoridades. Ambas as ocasiões encontram-se representadas no conjunto por meio de fotografias e cartões postais. Localizado na Praça Antônio Pompeu de Camargo, o Monumento-túmulo a Carlos Gomes se tornou um marco local, tendo sido alçado a tema de cartões postais de Campinas. Através de suas imagens é possível verificar as mudanças no espaço urbano e das edificações ao seu redor ao longo do tempo.

Lançamento da pedra fundamental do Monumento-túmulo a Carlos Gomes, Campinas, 18 set. 1903.
Inauguração do Monumento-túmulo a Carlos Gomes no momento do discurso de Cesar Bierrenbach, Campinas, 2 jul. 1905.

O centenário de nascimento de Carlos Gomes, em 11 de julho de 1936, foi um acontecimento de grandes proporções em Campinas, com variantes por todo o Brasil. O álbum fotográfico, registro dos festejos, foi organizado de modo a produzir uma narrativa da ocasião. Ele traz imagens da missa campal na Praça Bento Quirino, celebrada pelo bispo de Campinas, Dom Francisco de Campos Barreto; das autoridades presentes; do coro formado por normalistas e alunos na Praça Rui Barbosa – conhecida popularmente como Largo do Teatro –; do desfile dos grupos escolares, das escolas particulares e dos tiros de guerra de Campinas e Limeira; da irmã, Anna Gomes aos pés do monumento-túmulo entre flores e coroas, junto aos integrantes da Ação Integralista Brasileira (AIB) e do chefe desta, Plínio Salgado. Compondo as comemorações do centenário, foi editada uma série com doze cartões postais da qual a coleção possui alguns exemplares. Os cartões apresentam, de um lado, um retrato de Carlos Gomes, e, no verso, dados biográficos do músico ou um histórico de suas obras.


Grupo de integralistas no Centenário de nascimento de Carlos Gomes, Campinas, 11 jul. 1936. Ao centro, Anna Gomes, e, à sua esquerda, Plínio Salgado.
Desfile dos grupos escolares no Centenário de nascimento de Carlos Gomes, Campinas, 11 jul. 1936.

A coleção de fotografias do Museu Carlos Gomes configura o interesse da sociedade campineira na preservação e disseminação da memória do ilustre compositor. Sua maior relevância é trazer elementos que apontam para a importância do papel de Carlos Gomes no contexto sócio-político-cultural da cidade de Campinas, bem como, do Estado de São Paulo e do país, entre as primeiras décadas da Primeira República e o início do Estado Novo.