Nossas letras e suas damas
Sérgio Castanho –
Iniciarei com três palavras sobre a notável escritora campineira Maria José Morais Pupo Nogueira, nossa querida Dona Zeza, aqui nascida e aqui falecida em 2015 com 102 anos. Seu primeiro romance, “Natal Solitário”, recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio… adivinhem o nome da láurea – o Prêmio Júlia Lopes de Almeida.

Arquivo da autora
Sérgio Castanho
De vez em quando volto ao tema das letras na terra que foi das andorinhas e agora é das pombas. Bairrismo? Regionalismo? Não sei. E se for, que seja.
Não falarei de Júlia Lopes de Almeida, carioca que ainda criança veio para esta cidade e aqui publicou seus primeiros escritos na “Gazeta de Campinas”. Todos os registros apontam Júlia como escritora carioca. Então desta Júlia não falarei.
Iniciarei com três palavras sobre a notável escritora campineira Maria José Morais Pupo Nogueira, nossa querida Dona Zeza, aqui nascida e aqui falecida em 2015 com 102 anos. Seu primeiro romance, “Natal Solitário”, recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio… adivinhem o nome da láurea – o Prêmio Júlia Lopes de Almeida. Seu segundo romance, “Céu Escuro”, foi premiado pela Academia Paulista de Letras e pela Secretaria de Cultura do então Estado da Guanabara. Outras obras literárias suas: “Ana” e “O Órfão e a Mulata”. Maria José ocupou a cadeira 33 da Academia Campinense de Letras e foi diretora do Departamento de Cultura e do saudoso Teatro Municipal de Campinas. Casou-se nesta cidade com Stênio Pupo Nogueira, um amigo com quem tive a felicidade de conviver, apesar da diferença de idade, no Centro de Ciências e em outros ambientes culturais. Intelectual de primeira água, Stênio foi professor da PUC-Campinas nos tempos de Monsenhor Salim. Era irmão do combativo jornalista Bráulio Mendes Nogueira e do músico Paulinho Nogueira. Dona Zeza e seu Stênio tiveram três filhos: Spencer, arquiteto, professor da PUC e artista plástico, autor da escultura em homenagem ao ex-prefeito Toninho; Clirian e Maria José, a Zezinha. Tudo – a escritora, seu marido, seus filhos, seus cunhados –tudo gente nossa, tudo gente de brilho.
Agora falarei de uma escritora que não nasceu aqui, não é parente de Campos Sales nem de Joaquim Egídio de Sousa Aranha (o marquês campineiro que presidiu São Paulo), mas aqui se radicou e aqui tem vivido nos últimos quinze anos. É a grande escritora Cecília Prado, creio que posso dizer campineira por usucapião municipal. Campinas usucapiu Cecília, que ocupa uma cadeira da Academia Campinense de Letras e ainda é titular da ACLA e do IHGGC.
A última obra que li de Cecília Prada foi a coletânea de contos “Nós, que nem ao menos somos deuses” (Pontes, 2020). O livro abre com seu “La Pietà”, considerado um dos mais belos contos em língua portuguesa. Foi escolhido em 1994 para abrir a feira internacional de livros de Frankfurt, Alemanha, onde havia sido publicado em 1986 na antologia “Frauen in Lateinamerika” (Mulheres na América Latina), com a versão para a língua de Goethe por Curt Meyer-Clason, o mesmo tradutor de Guimarães Rosa e de Garcia Marques.
Não preciso dizer de Cecília o que dela já disseram Lygia Fagundes Telles, Hernâni Donato, Leonardo Arroio, Alberto da Costa e Silva e muitos outros ícones de nossa cultura. Também não preciso esquadrinhar seus vinte livros publicados no Brasil. Nem os que saíram no exterior. Ficam igualmente sem dizer as quarenta obras literárias, artísticas e humanísticas que traduziu do inglês, do francês, do italiano e do espanhol. Peças de teatro de sua autoria foram traduzidas mundo afora. Uma das peças foi encenada em Nova Iorque. Tudo isso são coisas de uma grande dama de nossas letras.
Deveria falar ainda de Cida Sepúlveda, essa notável poeta e contista (“Coração Marginal”), que nasceu em Piracicaba (São Pedro) e viveu e escreveu em Campinas. Fica para outra.
E os varões assinalados destas campinas das letras? Outro dia voltarei a falar de Luiz Carlos R. Borges, amigo fraterno, campineiro de Guaraci que ambienta seus romances e contos no Café do Povo, na rua Barão, no largo do Rosário, a menos que esteja na Aquitânia escrevendo sobre Leonor, sua corte, seus trovadores. Cantando espalharei, à moda de Camões, a fama justa de Eustáquio Gomes, campineiro de Montes Altos (Minas), que nos deixou rumo ao assento etéreo onde não mais arderá com sua febre amorosa. Direi palavras enrouquecidas sobre Joaquim Brasil Fontes, campineiro de Minas e de Paris. Gostaria de falar do Zaiman de Brito Franco, amigão desde os tempos da Gruta do Noel Rosa, campineiro de Macaé (Rio), o escritor da baixa sociedade. Eu gostaria, mas ele não gosta disso, se esquiva quando sugiro que reúna em livro tudo quanto escreveu no jornal sobre a sociedade do Bar do Meio e do Mercadão. Que fazer? Como meu espaço chegou ao fim, falarei só na próxima crônica de um varão de nossas letras, Roberto Goto, que vem de publicar “hera fechada” (assim mesmo, com minúsculas), sua novela-cabeça que se junta às vinte e tantas obras de múltipla literatura que já escreveu. E atenção, revisão! É“hera” mesmo, com he, não “hora”, com ho. Hora, agora, é só de parar. Pronto, parei.
Sérgio Castanho é pesquisador e professor de História da Educação na Unicamp e titular do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas e da Academia Campinense de Letras (ACL)