O HISTÓRICO COMBATE DA VENDA GRANDE

UMA QUASE GUERRA CIVIL QUE TEVE LUGAR EM CAMPINAS
Giovanni Galvão
Raros episódios reúnem personagens históricos brasileiros tão importantes como Dom Pedro II, o Regente Feijó, o Duque de Caxias, o Brigadeiro Tobias de Aguiar, a famosíssima Marquesa de Santos, o Barão de Monte Alegre e Boaventura do Amaral. O episódio de Venda Grande reúne todos eles!
Este marco a que chamamos “monumento”, instalado no canteiro central de
uma avenida de um bairro campineiro, é pouquíssimo conhecido. Há mesmo quem viva a infância, a adolescência e a vida adulta por aqui, passando frequentemente próximo a este monumento, sem sequer saber o motivo de sua existência. Esta região chamada de “Amarais”, situada entre o Aeroporto dos Amarais e o Ribeirão Quilombo, tem uma enorme importância histórica: foi onde se deu o “COMBATE DA VENDA GRANDE” em 07 de junho de 1842. Se olharmos em volta, notaremos que aquilo que um dia foi um campo de batalha em que irmãos brasileiros se enfrentaram defendendo até à morte suas ideias, tem hoje toda uma estrutura urbana com casas, barracões, indústrias e comércios, ruas e praças.
O campo em que aquele episódio glorioso aconteceu foi engolido e desapareceu. É bem possível, no entanto, que sob algumas dessas construções ainda estejam os restos mortais de algum ou alguns dos muitos heróis que o combate produziu.
Neste pedaço de Campinas agora inteiramente urbanizado, que é parte da área da antiga Fazenda Santa Genebra, este marco pouco visível indica o local onde há exatamente 180 anos ocorreu aquele confronto fratricida que foi parte da chamada “Revolução Liberal de 1842”.
Em ambos os lados da luta de morte estavam brasileiros que amavam sua Pátria mas defendiam interesses opostos. Foi o episódio mais significativo de uma revolução que por pouco não descamba para uma guerra civil.
Aqui mesmo ou nas imediações de onde agora nos encontramos para prestar esta homenagem, as tropas imperiais derrotaram as forças rebeldes.
Chega a ser curioso que quase os mesmos grupos políticos que atualmente se enfrentam entre si pelo poder no Brasil (conservadores, moderados e
progressistas) estiveram também presentes naquela ocasião: os conservadores, os moderados e os liberais (que em parte poderiam hoje ser chamados “progressistas”). Mais mudam as coisas, mas as coisas continuam as mesmas. A revolução eclodiu em Sorocaba em 17 de maio de 1842.
Dela fizeram parte:
O Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (que pouco antes, em 1831, havia
criado a Polícia Militar do Estado de São Paulo); O Padre Diogo Antônio Feijó, que havia sido Deputado, Senador,
Ministro da Justiça e finalmente Regente do Império de 1835 a 1837 de
onde lhe veio o título de “Regente Feijó”. Nessa época, ele morava em
Campinas mas se dirigiu a Sorocaba para apoiar Tobias de Aguiar assim
que soube da deflagração do movimento revoltoso; Maria Domitila, a Marquesa de Santos, que havia sido amante de Dom
Pedro I, mãe de alguns de seus filhos, mas que na época da Revolução
era casada com o Brigadeiro Tobias.
A chamada “Revolução Liberal” foi principal centro da revolta contra os
conservadores, que estavam no poder desde março de 1841 e vinham aprovando leis contrárias aos interesses liberais. O Ministério havia adotado também medidas centralizadoras que provocaram nos liberais intensa agitação. A gota d´água foi a demissão, pelo ministério, do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar do cargo de Presidente da Província (cargo atualmente chamado de Governador do Estado) que a havia presidido em duas ocasiões (1831-1835 e 1840-1841) e a conseqüente nomeação do Barão de Monte Alegre para o mesmo cargo.
Com amplo apoio popular, Tobias de Aguiar iniciou o movimento revolucionário que rapidamente se espalhou para outras cidades da Província (como Itu, Faxina, hoje Itapeva, Porto Feliz, Itapetininga e Capivari) e de Minas Gerais. Pretendiam os liberais depor em São Paulo o Barão de Monte Alegre e transferir a capital para Sorocaba, aclamando depois o brigadeiro Tobias de Aguiar como o novo Presidente da Província; em seguida, marchar em direção ao Rio de Janeiro para depor o governo conservador, devolvendo o poder aos liberais, mantendo-se a monarquia. Não se tratava, portanto, de um movimento republicano. Feijó havia levado um prelo de Campinas para Sorocaba e nele começou a escrever um jornal revolucionário, chamado «O Paulista», do qual se editaram apenas quatro números relatando o desenvolvimento do movimento.
Sendo aclamado presidente interino da província, Tobias prestou juramento de «defender o imperador e a Constituição até a última gota de seu sangue», nomeou comandantes militares, despachou emissários, suspendeu a «lei das reformas» e declarou nulos os atos praticados em virtude dela. Sob seu comando militar, foi constituída a chamada Coluna Libertadora, com uns 1.500 homens, para marchar até a capital paulista e dali para o Rio. O Barão de Caxias, brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva (que depois se tornaria Visconde, Marquês e finalmente Duque de Caxias) foi encarregado de partir do Rio de Janeiro para São Paulo e combater os revoltosos. Partiu a bordo de um vapor, desembarcando em Santos; logo em seguida chega a São Paulo, acabando com os planos dos revoltosos de conquistar a cidade. Parte dos revolucionários estava marchando de Sorocaba para o Rio de Janeiro, passando por Campinas. A Venda Grande era o local quase obrigatório de pouso, descanso e recomposição dos mantimentos necessários ao prosseguimento da marcha. E foi aqui que se deu o encontro dos dois grupos.
O ponto quase final da Revolução Liberal foi a batalha, o combate que hoje aqui homenageamos. Foi aqui o epílogo de um movimento que estremeceu a gente do seu tempo e ceifou vidas de diversas famílias Campineiras e Paulistas de outras cidades. Este combate vitimou Boaventura do Amaral, que tombou morto junto com diversos outros soldados. Era ituano, capitão e hoje dá nome a importante rua no centro de Campinas. Ele e dezenas de outros revoltosos foram mortos pelos comandados do coronel Amorim Bezerra, que o então Barão de Caxias mandou vir de São Paulo para atacar os paulistas. O depoimento dos antigos dá conta de que o capitão Boaventura do Amaral e muitos dos seus companheiros feridos, morreram no interior da Venda Grande para onde haviam sido levados feridos, pelos companheiros, para os primeiros socorros.
Diversos mortos em combate foram sepultados no entorno da Venda Grande e depois removidos para outros locais não identificados. Assim, o “cemitério do combate” passou a ser, com o tempo, mera referência histórica. Mas o respeito popular ainda hoje ocasiona manifestações como o frequente aparecimento de velas e imagens junto a este marco.
Após esta vitória das forças do poder central, houve intensa “caça” aos líderes. Tobias de Aguiar foi preso e levado ao Rio de Janeiro. Feijó foi preso em Sorocaba a 21 de julho de 1842 e levado para São Paulo e dali para o Rio de Janeiro e depois para Vitória (Espírito Santo) onde permaneceu preso, tendo falecido pouco mais de um ano depois. Foram ambos anistiados em 1844 pelo Imperador Pedro II.
O verdadeiro historiador da Venda Grande, o cronista Amador Bueno Machado Florence, filho de Hércules Florence, inventor da fotografia, que morou em Campinas, relatou minuciosamente os episódios da ação revolucionária de 1842 em Campinas, ressaltando sempre o heroísmo dos participantes.
É possível que você tenha às vezes passado indiferente pelo marco construído no canteiro central desta Avenida e nem se tenha dado conta de sua importância. Você o verá, a partir de agora, com respeito e orgulho de seus heróis. Este marco existe exatamente para lembrar e homenagear este fato histórico e seus heroicos protagonistas. Estes sim os verdadeiros heróis que mereciam ter seu nome registrado no Livro dos Heróis da Pátria.
A presença de cada um de vocês hoje colabora para realizarmos uma
homenagem à altura do merecimento daqueles que lutaram por nossa liberdade e banharam com seu sangue este solo sagrado que agora nos vê reunidos.

Giovanni Galvão, advogado e empresário, é 1.o secretário da Diretoria Executiva do CCLA.