CARLOS FERREIRA, BAUDELAIRIANO

Luiz Carlos R. Borges

 

                Em seu volume dedicado ao “Simbolismo”, dentro da coleção “Roteiro da Poesia Brasileira” editado em 2006 pela Global Editora, em conjunto com o então Ministério da Cultura e a Fundação Biblioteca Nacional, colhe-se a seguinte referência, no texto introdutório assinado por Lauro Junkes: “A partir de 1870 projetou-se crescentemente a influência de Baudelaire na poesia brasileira. O primeiro poeta de influência baudelairiana teria sido Carlos Ferreira, com Alcíones (1872)”.

                            Como se sabe, ao longo de todo o século dezenove a literatura francesa exerceu influência predominante no desenvolvimento das letras brasileiras (assim como na de outros países). Na segunda metade do século, a escola parnasiana mereceu entre nós inúmeros adeptos, que a praticaram de forma intensa e persistente, ao ponto de quase se transformar numa escola “oficial”, produzindo ícones como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. O fenômeno se reproduziu (de forma, é certo, meio marginal) em relação ao simbolismo, como foi denominada a linhagem poética que, a partir de Charles Baudelaire e sua transgressão aos moldes românticos, foi implantada por Verlaine, Rimbaud e Mallarmé.

                            Os grandes destaques do simbolismo, no Brasil, foram, reconhecidamente, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Depois deles, no entanto, eclodiu uma nova e brilhante geração, bem destacada no livro mencionado. Mas o interesse pela nova poesia já havia sido despertado anteriormente junto a poetas sintonizados com o que ocorria no outro lado do Oceano, especialmente através da leitura do livro transgressivo e controvertido de Baudelaire, “As Flores do Mal”, editado em 1857. Entre eles, Carlos Augusto Ferreira.

                            Sua inclusão entre os baudelairianos há de merecer destaque (e por isso suscitou nossa atenção), porque Carlos Ferreira foi, além de ficcionista e poeta, também jornalista, com atuação inclusive e especialmente em Campinas. Nascido no Rio Grande do Sul, a certa altura de sua trajetória, ele trasladou-se para nossa cidade, onde a partir de 1876 passou a militar na “Gazeta de Campinas”, como seu redator (ou como “proprietário e diretor”), jornal que entre seus fundadores, em 1869, contava com a figura exponencial de  Francisco Quirino dos Santos. A esse respeito anota Duílio Batisttoni Filho, em sua importante obra “Imprensa e Literatura em Campinas nos seus primórdios”, Ed. Pontes, 2016: “Em 1876 a Gazeta passava a ser editada diariamente com feição mais literária tão a gosto de seu redator-chefe, o poeta Carlos Ferreira (1848-1913), que também trabalhara em jornais de São Paulo” (pág.28).

                            Depois de algum tempo, Ferreira mudou-se para o Rio de Janeiro, tendo também residido em Amparo. É importante mencionar que a biblioteca do CCLA dispõe em seus acervos, na seção “Campiniana”, de um romance seu publicado já em 1890, através da Editora Livro Azul, intitulado “Primeira Culpa (Estudo da Vida Social)” e dedicado a seu amigo Machado de Assis.

                            Quanto ao mencionado livro de poesia, “Alcíones”, não consta ter sido reeditado; notícias a respeito podem ser encontradas de maneira indireta, como é o caso do estudo intitulado “Les Fleurs du Mal antes de As Flores do Mal: os Primeiríssimos Baudelairianos”, disponível na internet. Seu autor, Ricardo Meirelles, revela que a tradução do poema “Les Balcons” consta do mencionado livro de 1872, sob o título de “Modulações” e o subtítulo de “Imitação de Baudelaire”. Através das inúmeras fontes pesquisadas pelo autor, destaca-se que na referida tradução / imitação, Ferreira se utilizou, livremente, de termos e expressões mais afeiçoadas à sua formação como poeta vinculado ao romantismo. Como estas: “Saudosa inspiração da lúcida poesia! / Que é da quadra feliz do affecto delirante?”.

                            Teria sido ainda anteriormente à data da publicação do livro (1872) que Ferreira empreendeu sua primeira incursão tradutória. Noutro volume de poesia, “Redivivas”, de 1881, incluiu-se a sua versão do poema intitulado “Moesta et errabunda”, com a anotação de que a tradução teria sido feita em 1871. Nele, ao mesmo tempo em que se queixa do “negro oceano da cidade imunda”, Baudelaire convoca imagens ideais de outras terras, longínquas e paradisíacas, onde “sob um claro azul tudo é amor e alegria”. Segundo Meirelles e os comentaristas por ele consultados, Carlos Ferreira teria identificado seu próprio país e, em particular, o Rio de Janeiro em que durante muito tempo residiu, como esse idealizado “paraíso perfumado, verde e inocente, cheio de prazeres furtivos”. Procedeu, em suma, a uma “aclimatação” da poesia do francês.

                            Fique, portanto, este modesto registro, como sugestão para que outros, mais capacitados, como historiadores, estudiosos da literatura e pesquisadores em geral, possam se interessar pela biografia e obra desse jornalista e poeta que, em sua trajetória, legou marcas indeléveis às letras e ao jornalismo inclusive durante sua estadia em Campinas.

Luiz Carlos Ribeiro Borges é membro da Academia Campinense de Letras e secretário geral do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (CCLA)



O CCLA - Centro de Ciências, Letras e Artes é uma entidade cultural particular e sem fins lucrativos fundada em 31 de outubro de 1901, na cidade de Campinas/SP, por um grupo de cientistas, artistas e intelectuais que decidiram criar uma instituição em que se pudessem reunir para o estudo e a produção de atividades científicas e artísticas.