CÉSAR BIERRENBACH LITERATO
Através do presente texto vem-se acrescentar modesta contribuição em que se procura destacar a atividade de Bierrenbach como escritor.

Luiz Carlos R. Borges
Em belo artigo publicado no Correio Popular em sua edição de 06 de abril, intitulado “Com 150 anos de idade, Cesar Bierrenbach ainda vive”, nosso companheiro do Centro de Ciências, Letras e Artes, Giovanni Galvão prestou a devida reverência à memória de quem foi não apenas um dos cofundadores da entidade, como também a própria alma da instituição em seus primórdios, em seus tempos heroicos.
Através do presente texto vem-se acrescentar modesta contribuição em que se procura destacar a atividade de Bierrenbach como escritor.
Tendo falecido em 1907, somente em 1937, através da amorosa compilação feita por suas irmãs Vicentina e Noemia Bierrenbach, foram publicadas em livro as suas “Producções Litterarias” (Livraria Universal/Curitiba), em dois volumes contendo poemas, crônicas e manifestações de cunho político como o célebre “Protesto Latino” (em que defende a doutrina de um Pan-Americanismo de que seriam excluídos os Estados Unidos).
Os poemas ocupam o primeiro volume. Sua poesia segue os cânones da então dominante escola parnasiana. Mas em sua obra poética também se podem vislumbrar influxos do Simbolismo, como a prática das aliterações tão caras a Cruz e Souza (“Vozes veladas, veludosas vozes…”), como estas, extraídas de sua “À aeronave de Dumont” (1906): “Nave sem mastros, nave sem vela / que contra os ventos vos elevais / nuvens são ondas, oh caravela dos Oceanos que navegais!”.
Já “O Samba das Sombras”, datado de 1890, se destaca não apenas por ter sido certamente uma das primeiras referências literárias e eruditas à modalidade musical que viria marcar a identidade nacional, mas também por seu próprio enfoque em que, no decorrer da “folia no terreiro” animada por batuques e pelo canto coletivo dos participantes, eis que a certa altura intervêm as sombras do título, “as almas dos mortos, os avós…”, os ancestrais, enfim, identificados como “Cambinda”, “Cambaio”, “mãe Florinda” e “pai Candongo” – até a que a ilusão esmorece e se desfaz (mas o samba continua até o alvorecer).
Nas crônicas, reunidas em ambos os volumes, são evocados eventos e figuras ilustres, locais ou não, como Bilac, Victor Hugo, Maria Monteiro e o legendário flautista Patápio Silva, que, tendo-se apresentado em Campinas, no “Club Campineiro”, é comparado, por sua precocidade, a Mozart…
Particularmente admirável é a crônica intitulada “As Chrysantemas”. Nesse trabalho, que traz a indicação “Paris – janeiro, 1895”, Bierrenbach reconstrói, com tintas impressionistas, a partir de uma “flor de chrysanthema”, dádiva de uma “encantadora filha do Oriente”, a atmosfera outonal de um apartamento parisiense, recheada de orientalismos tão ao gosto da época, ânforas, vasos de porcelana, lembranças de rosas, “lyrios” e “lilazes”, uma aparição exótica em trajes japoneses, dedos “fugazes a bailarem no ar como um esvoaçar de azas ligeiras”…
O título nos reporta a um romance do francês Pierre Loti (1850-1923), não por acaso citado no texto. Autor de um belíssimo romance, verdadeira joia literária, intitulado “O Pescador da Islândia”, Loti também escreveu “Madame Chrysantème”, cuja ação se passa no Japão e cuja trama se identifica com aquela percorrida pela grandiosa ópera de Giacomo Puccini, “Madama Butterfly”.
Mais que isso, ouso dizer que, de certo modo, essa crônica de Bierrenbach prefigura… Marcel Proust (1871-1922). A atmosfera interior que ali se insinua conduz a outra, superlativa, magicamente suscitada pelo romancista francês ao descrever o apartamento, com seu jardim de inverno, de uma das mais fascinantes personagens femininas de “Em Busca do Tempo Perdido”, Odette Swann – inclusive com a presença de crisântemos… (conforme “A Sombra das Raparigas em Flor”, que veio a lume em 1919, páginas 132 e seguintes da edição brasileira de 1960 da Editora Globo, tradução de Mário Quintana).
Seria, certamente, o caso de serem reeditadas as “Producções Litterarias”, de modo que o conhecimento e estudo da obra não se limitem aos frequentadores da Biblioteca do CCLA – que com inteira justiça leva o nome de Cesar Bierrenbach.
Luiz Carlos R. Borges é membro da Academia Campinense de Letras e secretário geral do Centro de Ciências, Letras e Artes