Uma discreta senhora

Gustavo Mazzola

Subi as escadarias de mármore de dois lances, cheguei a um amplo salão decorado com mobiliário discreto e clássico: poltronas estofadas, anteparos de vidro para mostras de arte, belos quadros nas paredes. Ao fundo, uma grande mesa de madeira entalhada, cadeiras de espaldar alto. À esquerda, a Secretaria e a entrada para um Auditório. Eu estava no Centro de Ciências, Letras e Artes, entidade cultural de Campinas que, em outubro, chega aos seus 120 anos. Um momento de homenagens, marcantes comemorações.

Mas o meu destino era outro: queria caminhar até à sua Biblioteca e, para isso, deveria subir mais dois lances de escada. Quando cheguei, surpreendi-me com a presença solitária de uma senhora de ares discretos, gestos comedidos, seriedade que denunciava um ar de requintada e fina cultura.


– Maria Luíza! Que surpresa vê-la aqui no Centro!

Era Maria Luíza Pinto de Moura, que por mais de 50 anos orientou tudo na Biblioteca, e que já havia nos deixado anos atrás. Uma figura emblemática na história da entidade.

– Olá! Sabe, com o Centro agora nos 120 anos, resolvi dar uma passadinha por aqui, hoje. Queria ver como andam as coisas na Biblioteca. Posso lhe dizer que estou satisfeitíssima: o pessoal que continua o meu trabalho é ótimo, organizado. Está tudo muito bem, mesmo. Mas, e você? Veio para alguma atividade, reunião?

– Não. Tudo no Centro tem acontecido virtualmente, embora com muita atividade e animação. O Alcides, Alcides Ladislau Acosta é o atual presidente – a senhora está a par, não? Pois, ele continua empreendedor, brindando-nos com eventos, informações, realizações artísticas, tudo via digital. E a gente participa com muito entusiasmo. Existe até um canal na Internet para postagem de notícias e principais eventos. Mas, Maria Luiza, acredito que essa situação é por pouco tempo: logo, logo, voltaremos a todas as atividades presenciais como de costume. Até que enfim!

Orientado pela experiente Bibliotecária tão prestigiada em anos a fio, meio que aturdido, sem compreender bem o que estava acontecendo, fui aos arquivos à disposição: buscava informações para um texto que preparava sobre esse mais de um centenário, comemorado em outubro.

Bem, colhi muita coisa, dados, gente famosa que fez sua história. Lá mesmo, acabei resumindo tudo em poucas linhas, embora tivesse ainda muito a escrever: se acrescentasse mais, não caberia aqui o que gostaria de registrar.

Com esse relato que lhe passo, leitor, espero definir bem o que representa o Centro de Ciências dentro da cultura campineira e, mesmo, do país.

1901. Começa a história do Centro de Ciências, Letras e Artes.

Tudo teve início com a ideia de César Bierrenbach e de intelectuais motivados pela filosofia positivista, com apoio de cientistas do Instituto Agronômico e mestres do colégio Culto à Ciência. Inicialmente, pensavam formar um grêmio de estudos científicos, projeto que logo evoluiu para uma aventura muito maior, a criação do Centro de Ciências, Letras e Artes, associação privada instituída em histórica Assembleia Geral no Clube Campineiro. 99 fundadores aprovaram os estatutos da nova sociedade.

Ao longo dos anos, a entidade, que trazia entre seus princípios fundamentais o desenvolvimento da cultura, através das ciências, das letras e das artes, prosperou, marcando pontos na história cultural da cidade. Um ano depois de sua fundação, já tinha uma sede, o pavimento superior de um prédio na Barão de Jaguara, cedido pela mãe de Cesar Bierrenbach, e, mais cinco anos, inaugurava outra na esquina da Francisco Glicério com a Conceição.

Aí chegamos à década de 50. Já instalado na Rua Bernardino de Campos, o Centro de Ciências passou a viver um período de renovação: a partir do presidente João de Souza Coelho, integram-se novos nomes à entidade, como Roberto Pinto de Moura, Marino Ziggiatti (veio para implantar um cineclube e não saiu mais dali), Rodolfo Bueno, Francisco Isolino de Siqueira, Bráulio Mendes Nogueira, José Roberto do Amaral Lapa, José Alexandre dos Santos Ribeiro e Alberto Amêndola Heinzl. Formavam o “Movimento Renovador”.

Desse momento em diante, movido pelas novas concepções e conceitos culturais que animavam aquela geração, o Centro transformou-se, despertando o interesse da comunidade.

Terminado o meu trabalho, desci as escadarias, saída para a Bernardino de Campos, 989. Mas, antes de chegar à rua, dei uma olhada para trás: sentia que era observado discretamente. Ainda incrédulo, vi, ao pé da escada, Maria Luíza. Junto a ela, para o meu assombro, estavam também duas outras figuras já não mais conosco, sempre lembradas no Centro: Norma Piazon, antiga responsável pela Secretaria, e Fuad Cury, encarregado dos serviços gerais, ambos muito queridos colaboradores na sede social da entidade. Todos me acenavam, sorrindo. Senti, emocionado, que me davam um último Adeus!

*Gustavo Mazzola é jornalista e membro da Academia Campinense de Letras



O CCLA - Centro de Ciências, Letras e Artes é uma entidade cultural particular e sem fins lucrativos fundada em 31 de outubro de 1901, na cidade de Campinas/SP, por um grupo de cientistas, artistas e intelectuais que decidiram criar uma instituição em que se pudessem reunir para o estudo e a produção de atividades científicas e artísticas.


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