Entrevista no Centro

Foto: Martinho Caires
Por Gustavo Mazzola – O encontro entre eles tinha sido combinado fazia um bom tempo. Mas estava difícil agendar uma data em que os três pudessem sentar juntos na grande mesa da sala de leitura do Centro de Ciências, Letras e Artes, em Campinas. Finalmente, as entrevistas foram marcadas para uma quarta feira de maio, à tarde, mas com um detalhe: seriam feitas antes da costumeira reunião de diretoria, cuja pauta previa, nesse dia, importantes acertos sobre as comemorações do aniversário – já próximo – da primeira exposição no país do lituano Lasar Segall, em 1913, realizada no próprio Centro. Era quando o artista chegava da Europa com novidades nas artes plásticas.

Os convidados, intelectuais de larga experiência em jornalismo e cultivo das artes, certamente tinham muito a contar sobre um lugar onde deixaram boas lembranças de suas vidas. Acontecimentos e opiniões – até algumas declarações mais contundentes – certamente fariam parte de depoimentos. Assim, antes de tratar do “evento” Segall, a missão era ir direto às entrevistas, pois os convidados já subiam as escadarias de acesso ao salão.
O Isolino e o Odilon chegaram juntos, cumprimentando o pessoal da casa, o Marino, o Eduardo, o Henrique, o Braga, o Borges. Quem apareceu por último foi o Bráulio, desculpando-se: “o trânsito está daquele jeito, gente”!
– Mas, diga lá Isolino, como o Centro entrou na sua vida? – era preciso começar logo o bate papo, sem muito “trololó” de entrada.
– Na verdade, a motivação que sinto pelo Centro de Ciências é anterior à minha vinda a Campinas – foi dizendo, sempre eloquente e rápido nas palavras, Francisco Isolino de Siqueira, advogado, professor, jornalista e presidente no biênio 70/71. E continuou: por volta de 42 ou 43, papai, o jornalista Hildebrando Siqueira, era membro efetivo do Centro. Eu, com quinze anos, via-me atraído pelo distintivo que ele recebera na sua nomeação e ostentava permanentemente na lapela. Ele morreu em 46 e minha vida aqui mudou muito, só retomando os contatos, em 1948, quando me aproximei para reestruturar a nossa revista.
– E Odilon, teve algum momento que pode ser considerado mais importante na sua vida com o Centro de Ciências?
O professor Odilon Nogueira de Matos, estudioso e professor de história da arte musical, pensou um pouco, cerrou os olhos, pensativo, e começou seguro o seu testemunho: “Bem, em 62, quando era presidente o Marino, o Centro patrocinou um curso de história da música, me aproximando ainda mais de tudo a sua volta. Numa recente sessão da Academia Campinense de Letras, deixei registrado que devo ao Marino a realização do melhor curso de história da música de que me lembro ter feito na vida”.
– Agora é sua vez, Bráulio. A gente sabe que sua presença foi marcante como presidente, duas vezes. O que ficou daquele tempo?
– Olha – começou o jornalista Bráulio Mendes Nogueira, historiador de Campinas e presidente em duas oportunidades, de 1982 a 1986, e de 1990 a 1994 – se a minha primeira gestão foi bastante equilibrada, a outra foi tormentosa. Ainda na gestão anterior, o Centro vivera uma onda de modernizações, mas, a meu ver, propostas de forma um tanto precipitada, sem métodos ou planos bem pensados. Resultado, o dinheiro acabou ficamos numa situação caótica. Aconteceu, então, que o pessoal mais antigo apelou para que eu assumisse novamente como presidente. Resolvi encarar essa tarefa. Encontrei tudo aqui com reformas interrompidas por falta de recursos. Na escadaria fronteira do prédio tinha até um andaime, que ficara ali montado quando a obra parou. Foi uma loucura minha, mas acabei derrubando tudo aquilo com minhas próprias mãos, para que se pudesse abrir a entrada que estava quase totalmente obstruída.
Todos que acompanharam as suas palavras puderam notar, emocionados, Bráulio em lágrimas quando parou de falar. A conversa com os três intelectuais continuou animada, interessante, e acabou se tornando num dos momentos mais expressivos desse, para o Centro, importante 2002, ano em que as entrevistas aconteceram: juntamente com outros convidados já agendados, seus depoimentos fariam parte do livro “Centro de Ciências, Letras e Artes, ano 101”, que iria registrar a história da entidade cultural de Campinas. Infelizmente, Isolino, Odilon e Bráulio não estão mais conosco.
Naquele mês de maio de onze anos atrás, o encontro de amigos se alongou pela tarde, todos envoltos num clima de saudades. E não deu outra: o expediente do Centro terminou sem a sua reunião semanal, com as decisões da programação sobre Segall ficando mesmo para a semana seguinte.
Gustavo Mazzola – mazzola@sigmanet.com.br